#08: desligando gentilmente o corpo, mas tendo que o ligar de novo em seguida
sincericídio — pensamentos sobre o trabalho e o fazer artístico
Amigos, feliz ano novo!
A primeira newsletter do ano nasceu na intenção de ter sido postada ainda em 2024, mas a vida é um embriombo seguido de pirigondo, o que significa que não dá pra ter controle de tudo (e na verdade, de quase nada).
“Foi tu que escolheu profissionalizar o teu hobby”
Disse um amigo logo após eu chegar em uma festa. Era próximo das 00h de uma sexta-feira, eu apareci logo após um trabalho de fotografia - e mais cedo, no mesmo dia, tinha trabalhado oito horas como de praxe no meu emprego fixo.
Eu estava feliz com aquele job específico, e aquela não era a primeira vez em que essa pessoa dizia essa frase. Eu não lembro o que respondi - se é que respondi. Mas aquilo me marcou (não confunda com “afetou”) e me deixou pensativo, porque, sim, essa decisão é consciente. Porém não, o fazer artístico e o ato criativo nunca foram um hobby para este que vos escreve.
De fato, desde o ensino fundamental, eu e amigos como Paulo, Douglas e a Izabel fazíamos pequenas empreitadas “cinematográficas”, filmadas em um celular de alguém, o tal do MP20 - com duas caixas de som e tatuagem de guitarra estampados atrás (exemplo na imagem abaixo), além, é claro de uma câmera VGA de altíssima qualidade de 244p (ou menos) e suporte a 4 chips ou algo do tipo.

No ensino médio também, a partir de um ímpeto de registros, criei uma trilogia de pequenos curtas, pedaços de memória, uma série chamada “Peixes Estranhos” - eu já era muito viciado em Radiohead - e aqueles vídeos até hoje me alegram, vez ou outra mostro pra alguém.
A arte é algo que sempre “pediu passagem” (como a minha psicóloga, a qual citarei algumas vezes, gosta de dizer). Eu sempre senti a vontade de criar como algo incontrolável, uma inspiração que me empolgava muito, mas que por anos e anos eu não soube dar vazão a isso - confesso que ainda estou aprendendo. Sempre com imagens na cabeça, sempre uma nostalgia por coisas que eu jamais vivi.
Você pode ainda não saber, mas eu ganho o meu dinheiro através de um emprego como Engenheiro de Testes em uma empresa de tecnologia. Em algum momento fui bem empolgado com a computação, mas isso se perdeu, não sei quando. Estou desde 2016 na Universidade Federal do Amazonas e ainda não me formei, mas me dediquei muito nesses anos e cada passo nessa carreira é uma conquista.

Dito isso, desde sempre a minha vontade de se dedicar a alguma carreira na computação ou mesmo a um estudo mais regular ficava em segundo plano de uma forma que eu não sabia controlar devido a um ímpeto criativo. No ensino fundamental e médio, tive banda. No começo da faculdade, um estúdio de jogos - que nada fez mas muito sonhou.
Eu não amo a computação (talvez, eu a tenha amado no passado, em menus nostálgicos de Windows 98 e na figura de acadêmicos que fogem desse estereótipo de rockstar que se deu a programadores hoje). Eu tampouco amo o meu emprego, mas sou grato pelo que pude comprar graças a ele. Todo o conforto. Todas as câmeras e filmes. Essa internet a qual eu uso em abundância e estou usando agora para me conectar a você. Um queijinho minas. Uma alface americana. Duas latas de atum. Quatro detergentes. Três litrões lá no Bambu.
E sim, você tá certo: eu me sinto idiota em reclamar do meu emprego. Dã. O modelo é híbrido, repleto de benefícios interessantes, um salário relativamente bom. E isso não significa tanta coisa assim, quando se é tão apaixonado por outras coisas. Claro, existem responsabilidades que já foram assumidas hoje, que quando eu tinha 18 anos eu não tinha e podia ter repensado algumas decisões de vida.
E claro, eu entendo que o trabalho dá contorno a vida de muitas pessoas, e é necessário encontrar meios para se sobreviver nesse mundo capitalista, espero não soar insensível na minha mensagem do parágrafo anterior. Mesmo assim, considero difícil encontrar pessoas que sejam plenamente felizes com algum emprego e particularmente acho estranho quem ama se matar de tanto trabalhar pra permitir que o patrão possa comprar um carro novo no fim do ano. E mais uma vez, sei que existem casos e casos, e eu falar tudo isso não significa que eu não me dedique - por sinal, eu sou backup da líder do meu time. No mês de dezembro, ela esteve de férias e eu liderei a nossa equipe.
Tenho boas amizades nesse emprego. Umas já de muitos anos! Algumas bem recentes, mas já especiais. Inclusive até a minha líder assina aqui a newsletter, um abraço pra ela e a todos de meu trabalho que possam estar lendo.

Aonde eu quero chegar? Bom, eu tô cansado de reclamar. Mas eu também me senti muito cansado de forma geral em 2024. Foi um ano bem trabalhoso. A gente pode enxergar e dividir ele em três caixinhas:
Minha produção pessoal: dezenas de horas foram gastas em projetos que saíram da paixão e cabeça de minha pessoa, como o Rotas de Fuga (para Sonâmbulos) e o videoclipe de Águas Poluídas.
O meu trabalho na computação: são 40 horas por semana. Grande parte da minha energia tá sendo depositada aqui - mas também é o que sustenta e possibilita muitas outras coisas.
Eu peguei muitos jobs (bicos) na fotografia. fiz pré-wedding, cobri festivais, fiz cardápio, fiz stills para curta-metragem, e várias outras coisas. Além disso, segui no meu trabalho que tanto gosto em colaboração com artistas musicais.
Trabalhar tanto foi de um aprendizado imenso em 2024, me deu XP e conexões importantes, mas para 2025 eu quero escolher mais. Listei o que gostei e não de gostei fazer para terceiros. Isso tudo porque no fim do ano passado, me vi beeeem infeliz com tanto cansaço e por não estar conseguindo dar vazão a vários desejos criativos, o que fazia sentido, porque eu também não estava dando espaço para eles existirem. Preciso escolher mais e não me ocupar com qualquer serviço de fotografia que apareça - visto que essa atividade não é, hoje, o meu ganha-pão. Ou pedir demissão. Brincadeira, não existe segurança para isso no momento.
Eu começo 2025 sem nenhum projeto aprovado ainda - sigo aguardando o resultado da PNAB estadual e na esperança de ser positivo - mas pretendo seguir tentando dar vazão a esses ímpetos criativos. A minha psicóloga afirma que “o artista precisa fazer arte”. E eu me sinto totalmente infeliz e incompleto quando não consigo.
A Bjork fala nessa entrevista acima sobre o ato criativo e perceba como para os apaixonados pelo fazer, isso é inevitável - longe de eu me comparar a Bjork. Para além de qualquer ideia utilitária que nós humanos tentamos dar para a vida, a arte é um fazer que pede passagem. E sim, envolve MUITO trabalho - e foi entender esse fator que fez eu criar mais e colocar mais por aí nos últimos anos.
Não importa qual profissão eu escolhesse no passado, eu iria ter esse fazer artístico em algum momento gritando. Isso porque ele já era latente, lá atrás. E para mim, incontrolável. Precisa-se respeitar essa besta que é o desejo da criação.
Aproveitando o tom de entrevistas, essa do Beach House abaixo me surpreendeu também, visto que a Victoria Legrand logo no começo menciona que ainda segue trabalhando no emprego de garçonete dela - a entrevista foi em 2008, eles tinham lançado já o “Devotion”. Isso me surpreendeu, eles ainda não tinham lançado o “Teen Dream”, mas achei que a essa altura eles já estavam seguros em vida.
Em 2025, eu tenho encarado as coisas com mais naturalidade. Vou caminhando na direção que sinto algum ímpeto e vou me permitindo no caminho, tentando não sentir tanta angústia no processo. Sei que apesar de quase sempre não aguentar mais, o meu emprego é importante para sustentar diversas coisas - algumas nem ditas aqui.
Por um momento, ao fim do ano, me senti na estaca zero ainda. Foi necessário alguns exercícios para listar os feitos do ano, e aí a percepção mudou.
Apesar do tom de desabafo desse texto, 2024 foi um ano maravilhoso! Não poderia ter sido mais incrível em aspectos de criação - finalmente coloquei algo no mundo, e ainda foram dois algos!

Além disso, pude viajar, conhecer um novo estado com a Clarinha (Minas Gerais - apaixonante) e ainda fui padrinho de casamento dos meus lindos amigos de longa data, Victória e Anthony.
Eu sinto que tenho mais coisas para falar mas já acho que desabafei e te suguei muito, leitor. Contudo, esse ano tem muitas coisas legais pra rolar, o Flores Dormem vai ter - já está tendo - uma atualização mais frequente!
Buquê de informações:
estou trabalhando na capa de um artista e amigo que admiro muito!
Estou trabalhando no meu site!
Em fevereiro, vou ministrar um pequeno workshop utilizando de fotografia analógica como ferramenta!
Estou escrevendo roteiros!
Estou aprendendo novos formatos e utilizando algumas ferramentas novas;
Estou com sono!!
Ahhhhh!! Que linda trajetória!! Tá lindo de ver!
estou 100% interessado nesse workshop!! adorei o texto :)