#07: 11 clipes que inspiraram "águas poluídas"
mais cedo esse ano eu dirigi um clipe pra luneta mágica. e como uma das partes de ser artista é entregar coisas que literalmente ninguém pediu, eis aqui alguns outros clipes que foram inspiração!
Duas edições na mesma semana? pode acreditar, meu caro leitor do flores dormem!!!!!! o gerente não ficou maluco, mas quem faz as entregas pelo gerente certamente já ficou!!!!!!
Caros amigos,
Como já foi divulgado por aqui, eu dirigi o clipe de “Águas Poluídas”, música da Luneta Mágica presente no disco “No Paíz das Amazonas”, de 2022. Você pode assistir o clipe abaixo e também ler sobre ele em uma edição prévia da newsletter, linkada depois do vídeo:
As ideias pra esse clipe vieram de vários locais dos confins da minha mente andante. Algumas, guardadas há um bom tempo, outras, espontâneas e que surgiram durante a escrita do roteiro. Corta então para a etapa de pré-produção, enquanto eu tentava traduzir as ideias para a equipe, produzi um documento contendo algumas referências visuais, vindas de outros clipes e fontes diversas, e agora, o conteúdo desse documento vai ser partilhado abaixo (de um jeito até melhor, eu diria).
Ideias introdutórias
Mario Hirotoshi: 2021-2022 (vídeo-catálogo)
Para apresentar um pouco do meu estilo, achei legal compartilhar o vídeo “Mario Hirotoshi: 2021-2022”, que é uma maluquice digital-analógica que mistura diversas mídias e talvez ajudasse a amarrar as várias ideias que eu tinha pra esse clipe.
Muitas ideias, mistura de película/vídeo digital e fotografia. Um emaranhado de emoções.
Ben Howard - Finders Keepers (Goonhilly Live Transmission)
Em seguida, eu trazia esse vídeo do músico britânico Ben Howard, que também traz uma edição não-convencional e que mistura diversas mídias em seu trabalho - tanto que no vídeo anterior utilizo “Sage That She Was Burning”, uma música que eu AMO (do excelente disco “Collections from the Whiteout”, que saiu ali na pandemia).
Parte 1: Clipes com muitas ideias e editados na batida da sua música
Ao melhor estilo do Edgar Wright, eu queria que a narrativa do vídeo fosse contada com um volume grande de cenas. Mas como fazer isso de forma dinâmica? Havia uma clara limitação quanto a duração da música e essa abordagem estilística foi a que encontrei.
Algumas referências em minha cabeça são basicamente vídeos com muitas cenas e que se apresentam em uma velocidade que depende da batida de uma música, com os cortes operando quase como um metrônomo.
“I Can't Believe the Way We Flow” - James Blake
O primeiro clipe da lista quem me mostrou foi a Clara, e é estupendo. O Frank Lebon dirigiu e editou esse clipe do James Blake, presente no Assume Form (2019). Esse clipe é filmado em película, ritmado e contém mídias misturadas.
Apesar de “Águas Poluídas” não ter um ritmo tão frenético quanto esse, achei uma referência estética e estilística muito válida.
“A towel blanket is peaceful (カネコアヤノ - タオルケットは穏やかな)” - Kaneko Ayano
Absolutamente lindo, como a maioria dos clipes da Ayano. Esse aqui, assim como o do James Blake, vai adotar duas ideias que eu tinha pro clipe (cenas em película de Super 8mm e a já mencionada ideia de edição ritmada).
“Bombay” - El Guincho
O segundo vídeo era totalmente fora do meu radar, mas é lindo. Várias cenas e ideias, editado de forma ritmada e com belas cores (off-topic: a estética desse me lembrou a de “Dente Canino” (Dogtooth), do Yorgos Lanthimos - o que na minha cabeça é o look do Fujifilm Eterna, filme de cinema da Fuji que a gente não vê mais por aí porque não é mais fabricado).
Esse e o próximo clipe vieram do Diego (Viis), da própria Luneta, no dia em que eu estava contando as minhas ideias para eles - inclusive, tem uma foto desse encontro e uma menção a um “projeto secreto” (que veio a ser esse clipe, um ano depois) na segunda postagem dessa newsletter, lá em 2023:
O vídeo tem restrição de idade e por isso só deve dar para assistir pelo Youtube. E é, eu também não entendi o motivo pra tanta nudez por parte do diretor, mas tá lá.
“Ice Cream” - Battles
Os nova-iorquenses1 do Battles são cheios de clipe doido e esse eu ainda não conhecia. Gosto muito da estética dele, mas principalmente da agressividade que se percebe com algumas cenas, que era algo que eu queria tentar replicar em certos momentos de Águas Poluídas, como no momento do empurrão.
E sim, esse clipe também me incomodou com a sexualização das mulheres, que ideia lesa essa do sorvete pqp.
Parte 2: Clipes com influências atmosféricas e estéticas
Agora, falamos um pouco mais de mood, de vibe, de sensações atmosféricas que eu gostaria de imprimir com o clipe. No processo como um todo, mas aqui principalmente, foi importante o diálogo com os departamentos de arte e fotografia.
Quem me conhece, sabe que eu tenho uma atração bem fácil e menos criteriosa por narrativas que conseguem trazer, de forma visual, ideias de confusão, ideias de escuridão, perigo e similares. Não à toa, uma de minhas grandes inspirações artísticas segue sendo o David Lynch.
“gun-shy” - Grizzly Bear
Esse é mais um exemplo de clipe que eu ainda não conhecia, e me foi apresentado pelo Daniel Freire, da banda. A ideia é simples, mas muito criativa em sua edição, ao meu ver: existe um vai-e-vem entre os frames, que simula o efeito de boomerang, no Instagram.
Aqui a banda também utiliza diversos “instrumentos” não-convencionais. Esse clipe foi a principal influência para as cenas com a banda apenas, gravadas no Igarapé da Água Branca em Setembro de 2023.
A forma com a qual o diretor australiano Kris Moyes brinca com macro e texturas aqui também me encheu de ideias.
“Sem Cais” - Juçara Marçal
O elemento da urbanidade de Manaus e a forma como nós, manauaras, nos relacionamos com isso é importante dentro da concepção do clipe. E esse clipe da Juçara estuda bem esse tema.
Ele entrega uma sujeira da cidade de forma muito boa, que serviu de inspiração forte, sobretudo para as cenas em preto e branco, além das em película de Super 8mm.
A Aline Belford não só fez a fotografia, como também dirigiu este clipe. Os elementos de sujeira urbana são realçados (e foram forte inspiração para o nosso) pois ela chegou a utilizar filme de 16mm soviético vencido (da Svema2), de 1993, e filme vencido vai se degradando com o tempo caso não seja armazenado de maneira ideal, e isso vai se notando na perda de latitude, que ocasiona o aumento de contraste e áreas subexpostas, acarretando no aumento de “grão” visível.
“Moonhealing” - Marrakesh
Eu lembro bem do dia que os curitibanos da Marrakesh lançaram esse clipe - já vinha acompanhando a banda desde o lançamento do EP de estreia deles, o “Vassiliki” (2016). Eu fiquei chocado com a qualidade e com essa aura solar-sombria que perpassa o clipe inteiro.
Eles aqui conseguem também utilizar daquela ideia de várias cenas diferentes e editar elas com a batida da música. O look do clipe é bem clínico e moderno, mas não é algo que me desagrada - inclusive em alguns momentos pontuais de “Águas Poluídas”, Samara Souza - a quem eu sou imensamente grato pelo trabalho na direção de fotografia nesse clipe - e eu achamos uma boa ir por essa direção.
“Robber” - Weather Station
“Robber” eu descobri em 2020 pela Pitchfork e até hoje é a minha escolha fácil de clipe pra botar no rolê pra mostrar pra quem ainda não conhece. Que clipe bom, muitas ideias - apesar de simples (?). A música ajuda muito também, tem uma atmosfera tão “A Moon Shaped Pool”3.
A forma como a vocalista, Tamara Lindeman, canta parcialmente (versos escolhidos entre 0:56 e 1:28 da música) foi uma influência forte pra mim - tanto que tentei fazer algo similar com o Pablo nesse momento aqui.
Esse clipe e o próximo vem em minha mente enquanto pesquisava sobre a ideia de paranoia, que segundo o próprio Pablo Araújo (vocalista da Luneta Mágica e escritor da letra da canção), é um dos grandes temas dessa música.
“If You Say The Word” - Radiohead
Trabalho como algo necessário para se manter vivo é uma coisa que eu penso muito e que é um dos temas do clipe. Não só do clipe como de sessões homéricas de terapia e outras de minhas obras do futuro.
E o Radiohead (provavelmente a minha banda favorita, se isso existe) associa muito bem esses temas de trabalho, capitalismo e paranoia, desde os clipes de “Just”, a todo o “OK Computer” (1997) e mais recentemente nessa faixa que saiu no “KID A Mnesia” (2021).
O diretor desse clipe, o norueguês Kasper Häggström também dirigiu o clipe muito foda de “The Blades” do Squid - aqui.
“Count Me Out” - Kendrick Lamar
Esse clipe do Kendrick é absurdo de lindo. O “Mr. Morale & The Big Steppers” (2022) tem o que se assemelha muito a uma grande sessão de terapia em muitas de suas músicas. E aqui essa ideia é materializada de forma explícita.
O clipe traz também a ideia de várias cenas exibidas de forma ritmada, porém, o que ele inspirou (e muito) foi a cena em que as pessoas deixam seus rastros enquanto Kendrick está parado, em meio a multidão. Essa cena foi referência para uma ideia executada aos 3:08 de “Águas Poluídas” (inclusive caiu um toró absurdo bem na hora de filmar essa cena)
Parte 3 (e Conclusão): Outras referências
Até agora, citei 10 clipes. O 11º (lê-se “ônzimo”) não teve a sua influência efetivada na versão final de “Águas Poluídas” - tivemos duas cenas cortadas, mas que constam no roteiro.
Apesar disso, acho as ideias importantes e também acho massa divulgar esse clipe:
“Invenção” - Boogarins
Eu amo esses goianos4. Esse clipe, do ótimo “Sombrou Dúvida”, de 2019, é simples, mas usa projeção de um jeito muito massa - o qual eu pretendia fazer também para Águas (fica para uma próxima, já tinha bastante ideia).
No fim, eu apresentava também o trabalho “The Enclave” (2013), do Richard Moose. Isso tudo foi pra apresentar o look do Kodak Aerochrome (R.I.P. — 1942~2009) pra equipe.
O Richard Moose é um cara que foi algumas vezes ao Congo para documentar a guerra no país, e utilizou desse filme como decisão estética. O Aerochrome é um filme que foi inventado durante a segunda geuerra mundial para identificar objetos camuflados na selva. Ele faz isso trocando as cores de tudo que reflete a luz infravermelha (no caso, as plantas fazem isso de forma eficiente através do efeito Wood).
Esse trabalho fotográfico é absurdo e de alguma forma, o Moose teve acesso a uma versão de 16mm desse filme. “The Enclave” é a versão cinematográfica disso e infelizmente eu nunca encontrei ele (acho que só foi exibido em museus - ?), mas dá pra ter um gostinho no vídeo acima.
Eu queria utilizar dessa estética do Aerochrome como metáfora para o estado mental do Carlos, personagem principal do clipe (interpretado por Diego Bauer). Essa transição ocorre mais especificamente aqui.
Hoje em dia, a Lomography fabrica o Lomochrome Purple tendo como inspiração o tal do Aerochrome, mas o seu princípio não é tão complexo, eles só invertem as cores de uma forma que tudo que é verde, migra pro roxo.

é isso pessoal!
se você chegou até aqui, muito obrigado! ficou bem longa essa edição da newsletter (talvez eu devesse ter dividido em parte 1 e 2, mas agora já foi), mas tentei compartilhar o máximo de informações que conseguia sobre esse processo de referências pro clipe.
um feliz ano novo pra você!! 2025 já tem postagem aqui na newsletter planejado e eu quero muito ver você (e mais gente) por aqui, um abraço <3
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